segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Alienação Corporal Frente à Cultura de Consumo na Padronização do Corpo Feminino *Cibele Simões

"Meu corpo não é meu corpo. É ilusão de outro ser.."
 Carlos Drummond de Andrade.
     
    Pensar no comportamento humano relacionado ao cuidado com o corpo implica na tentativa de resgatar o sentido de existência que se perdeu nos critérios da modernidade: superação, perfeição, consumo. Desta forma, os mitos da beleza feminina, da juventude eterna, através da cultura da “malhação” como grande projeto do ser humano parecem constituir grandes ilusões, o que pode levar à ansiedade, baixa autoestima estando mais associado ao “ódio” do que o amor ao “eu”, pelo fato de não conseguir alcançar um corpo perfeito.
    Diante disso, o discurso do culto ao corpo atinge tanto homens quanto mulheres, mas parece ser estas últimas que mais se sentem insatisfeitas com sua aparência, buscando suprir esta falta nas práticas corporais, pois o corpo destas é mais controlado, isto é, cobrado do que o do homem quando se refere à beleza física. Apesar de se sujeitarem aos padrões hegemônicos da sociedade, ou seja, aos valores estéticos incorporando-os, também sentem a necessidade de cuidar do corpo associado à saúde.
     Nesse sentido, o comportamento das mulheres com seu corpo se divide em um cuidado visando uma maior beleza estética e um cuidado que objetiva uma melhora na saúde. Percebe-se, então, que a mulher está investindo em sua aparência e ao mesmo tempo na saúde, devido tanto a uma necessidade que a sociedade impõe, quanto à busca de um bem estar pessoal.  
      Apesar de existir pessoas obcecadas pelo culto ao corpo, existem àquelas que têm distanciamento crítico suficiente para fazer escolhas que lhe pareçam conveniente, pois fazem suas próprias leituras dos fenômenos sociais, em que se sentem influenciadas, mas não escravas de certo comportamento.
      Associado à busca por um corpo em forma aparece o discurso de gênero como algo determinado e não construído, tendo uma representação social e psicológica, em que o homem é designado como dominador, sexo forte, não podendo exagerar nos cuidados com o corpo, pois coloca em dúvida a sua masculinidade, e a mulher como subordinada, sexo frágil, tendo a obrigação de ser ou se fazer bela.
      Desta maneira, a mulher parece estar tão presa nessa relação de poder do cuidado sobre o seu corpo que não percebe saída, ou seja, está submetida a um lugar que em sua constituição está associado a uma possível submissão feminina aos estereótipos de gênero, através da tríade beleza-saúde-juventude, cobrando ser uma mulher perfeita com todos os seus atributos instituídos: sensual, sensível, frágil, dentre outros. 
      Pode não parecer evidente, mas as relações das mulheres com seus corpos revelam o tipo de identidade que se está construindo, pois a mulher se submete a explicitar a beleza do corpo por sua juventude, sua juventude por sua saúde, sua saúde por sua beleza. Deste modo, acabam sustentando uma identidade pautada pela identificação da beleza feminina através da exterioridade do seu corpo. Conseqüentemente, sentem-se insatisfeitas por não alcançarem um corpo considerado ideal.
      Portanto, não se trata de aceitar o corpo como ele é, mas de corrigi-lo, transformá-lo e reconstruí-lo. O indivíduo contemporâneo busca em seu corpo uma verdade sobre si mesmo que a sociedade não consegue lhe proporcionar, se é que algum dia conseguiu! Ao mudar o corpo, mesmo não sendo de forma intensa, busca transformar a sua relação com o mundo, multiplicando os seus personagens sociais.
      A sociedade do espetáculo, cada vez mais poderosa, exige a aparência física em dever e responsabilidade de cada indivíduo. O corpo torna-se o lugar da salvação, sendo uma forma de não passar despercebido, uma maneira de destacar-se na cena social. Quando o laço social se desfaz, quando o individualismo se expande, somente o olhar do outro pode nos proporcionar uma verdadeira existência social, como se a aparência fosse um imperativo.
      Enfim, a sociedade de consumo e o seu principal meio de veículo, a mídia acabam fabricando e produzindo desejos e sujeitos insaciáveis em sua demanda de consumo, incluindo neste contexto o corpo desejante e desejado, sendo a falta o reflexo da nossa cultura em plena metamorfose. 

*Psicóloga Social e Clínica (Psicoterapeuta Sistêmica)