quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O desejo da doença ou a doença do desejo? *Cibele Simões

   É necessário repensar o processo de doença, não como algo somente biológico, mas que faz parte de uma construção histórica e socialmente determinado por relações de saber-poder. Desta forma, as práticas destinadas á loucura, ou seja, o saber psiquiátrico sobre a doença foi criado para intervir nas classes, em que a política de saúde atuava na erradicação das epidemias, bem como na vigilância sanitária. Com isso á loucura estava associada a doença e as técnicas e tratamentos de acordo com as concepções médicas que buscavam a cura, o controle, sendo segregacionista.
   A loucura permeia todas as classes, mas acaba perpetuando uma relação excludente entre a população, pois as políticas públicas destinadas a tal controle são marginalizadoras, em que o termo loucura foi criado para a exclusão, deixando de ser apenas doença. Diante disso, vemos os agentes do saber reproduzindo determinada ideologia, querendo moldar, rotular, conter e ao mesmo tempo incluir o desviante. Que concepção de loucura/doença é essa?
   Neste sentido é importante rever o papel do psicólogo, pois este é convocado a atuar somente quando se percebe a intromissão da subjetividade no cenário médico, onde parece existir uma destituição (exclusão) da subjetividade do sujeito, (o doente atrapalha o médico a entender a doença), porém o que o médico nega na teoria reaparece na prática.
   Sabemos que a medicina social não surgiu de uma medicina privada e individualista, mas de uma preocupação com o meio (contexto), assim como o efeito deste sobre o organismo e com o organismo em si. Tinha o caráter de uma organização social mais voltada para a comunidade.
   O contrário do que presenciamos no contexto atual, uma medicina que atende ao mercado, em que cuida-se da doença do que do doente. O médico na medicina tradicional relaciona-se com partes isoladas do doente, sem de fato vê-lo enquanto pessoa, mas como coisa/objeto. Com o surgimento da medicina clínica o médico é convidado a considerar não só o rigor técnico e teórico, mas a linguagem (o relato do paciente), isto é, construir junto com este o conhecimento/significado sobre sua doença.
   Diante disso, não podemos deixar de nos implicar enquanto profissionais da área de saúde, quando a clínica da demanda é formulada em palavras, em que a escuta proporciona um saber sobre o desejo e não sobre a doença, ou seja, proporcionamos ao sujeito dialetizar, onde seu desejo entra em questão deixando de ser objeto (fixado a doença) para surgir como ser.
   Então fica a questão: Será que é somente o médico que tem dificuldade em ouvir e coloca-se no lugar endereçado a ele do suposto-saber?
   A relação médico x psicólogo nem sempre favorece o cliente, pois o olhar e o ouvir sobre o sujeito são diferenciados. O que se percebe é que a presença do psicólogo garante que o médico continue excluindo a subjetividade, que por sua vez, a exclusão da subjetividade por parte deles é o que garante a presença do psicólogo.
   Acredito, que o cliente deve ser percebido como um indivíduo total, onde o trabalho multiprofissional quem sabe seja a receita para o processo de reavaliação e o repensar de novas formas de lidar com o sujeito. A integração dos profissionais na área da saúde, trabalhando a totalidade do cliente, talvez terá um resultado mais favorável do que ver este como um quebra-cabeças.
   Trabalhar com uma equipe interdisciplinar não significa buscar uma síntese de saberes, mas a possibilidade de diálogo entre os diversos saberes sem uma hierarquia estabelecida.
   Portanto, questionar se no contexto hospitalar/clínico existe possibilidade de outras formas de intervenções é repensar na atuação da psicologia de maneira mais ampla, através não só de uma reflexão da extensão dos conceitos, mas da prática.
   Enfim, é pensar na possibilidade de uma construção efetiva da prática/atuação na clínica do social com um novo olhar, sem desmerecer os conceitos e práticas historicamente determinados e socialmente construídos, que perpassa essa dimensão com suas peculiaridades.

*Psicóloga Social e Clínica (Psicoterapeuta Sistêmica)