terça-feira, 27 de setembro de 2011

Atritos

   Ninguém muda ninguém; ninguém muda sozinho; nós mudamos nos encontros.... Simples, mas profundo, preciso. É nos relacionamentos que nos transformamos. Somos transformados a partir dos encontros, desde que estejamos abertos e livres para sermos impactados pela idéia e sentimento do outro. Você já viu a diferença que há entre as pedras que estão na nascente de um rio, e as pedras que estão em sua foz? As pedras na nascente são toscas, pontiagudas, cheias de arestas. À medida que elas vão sendo carregadas pelo rio sofrendo a ação da água e se atritando com as outras pedras, ao longo de muitos anos, elas vão sendo polidas, desbastadas.
   Assim também agem nossos contatos humanos. Sem eles, a vida seria monótona, árida. A observação mais importante é constatar que não existem sentimentos, bons ou ruins, sem a existência do outro, sem o seu contato.  
   Quando olho para trás, vejo que hoje carrego em meu ser várias marcas de pessoas extremamente importantes. Pessoas que, no contato com elas, me permitiram ir dando forma ao que sou, eliminando arestas, transformando-me em alguém melhor, mais suave, mais harmônico, mais integrado. Outras, sem dúvidas, com suas ações e palavras me criaram novas arestas, que precisaram ser desbastadas. Faz parte...
   Reveses momentâneos servem para o crescimento. A isso chamamos experiência. Penso que existe algo mais profundo, ainda nessa análise. Começamos a jornada da vida como grandes pedras, cheia de excessos.  Os seres de grande valor percebem que ao final da vida, foram perdendo todos os excessos que formavam suas arestas, se aproximando cada vez mais de sua essência, e ficando cada vez menores, menores, menores...
  Quando finalmente aceitamos que somos pequenos, ínfimos, dada a compreensão da existência e importância do outro, é que finalmente nos tornamos grandes em valor. Já viu o tamanho do diamante polido, lapidado? Sabemos quanto se tira de excesso para chegar ao seu âmago. É lá que está o verdadeiro valor .  Mas temos que aprender como. Para chegarmos a esse âmago, temos que nos permitir, através dos relacionamentos, ir desbastando todos os excessos que nos impedem de usá-lo, de fazê-lo brilhar. Por muito tempo em minha vida acreditei que amar significava evitar sentimentos ruins.
   Não entendia que ferir e ser ferido, ter e provocar raiva, ignorar e ser ignorado faz parte da construção do aprendizado. Não compreendia que se aprende a amar sentindo todos esses sentimentos contraditórios e os superando. Ora, esse sentimentos simplesmente não ocorrem se não houver envolvimento...
   E envolvimento gera atrito. Minha palavra final: ATRITE-SE! Não existe outra forma de descobrir o outro sem se envolver e se relacionar com ele.

Roberto Crema (Psicoterapeuta)

Traição *Cibele Simões

    Falar sobre traição é sempre complexo e delicado, por se tratar de sentimentos e emoções nem sempre bem resolvidos para uma das partes ou ambas as partes. Em se tratando de casais cada um tem seus próprios acordos e formas de se relacionar. Portanto, cada caso é um caso literalmente falando, pois o casal encontrará seus próprios meios de se comunicar e solucionar os encontros e desencontros em um relacionamento independente de qualquer ideologia ou religião. Estas podem até influenciar, mas não determinar a direção que um casal vai escolher para o equilíbrio dinâmico da vida a dois.
    Não só os casados, mas os casais de namorados quando a traição acontece é hora de se perguntar:  É legal  levar adiante um compromisso, quando tudo mais está errado? Como diz Ivan Martins (2011), existe a paixão que nos consola das nossas questões interiores. Das nossas dores permanentes. Da nossa ansiedade intolerável. Por algum tempo ela nos distrai de nós mesmos. É uma fuga que tende a se repetir. Gente angustiada e indecisa faz isso o tempo inteiro: troca de parceiro e de paixão sem conseguir trocar o essencial em si mesmo. Um belo dia elas acordam, percebem que a velha dor está lá, e vão embora, atrás de outra paixão que consiga preencher o buraco impreenchível.
Qual é a moral dessa história?
    Que talvez tenhamos de desconfiar de nós mesmos e de nossas razões, pois de uma forma silenciosa e quase inconfessável, muitos continuamos esperando que o amor, ou seja, o próximo amor vai solucionar repentinamente, nossa vida. Talvez não passe de uma requintada muleta ou de uma ilusão. Quem sabe um analgésico para questões que estão mal resolvidas internamente com cada parceiro fazendo com que ambos depositam suas frustrações no relacionamento amoroso.
    É por isso que fazemos escolhas. Podemos caminhar em direção a uma mulher ou a um homem e iniciar uma conversa, que será repelida e ou acolhida. Ou  podemos decidir que essa fantasia/desejo, vai passar sem deixar marca na realidade. As fantasias/desejos mostram sim que estamos vivos. Mas o que decidimos fazer a partir delas – ou a despeito delas – decide como será a nossa vida real. E essa é a parte que conta.
    Não sei se podemos afirmar que uma traição é sinal de imaturidade e falta de responsabilidade ou prova de que não se sabe amar e que seja sinal de egoísmo em que se aceita destruir o sentimento do outro para viver uma nova aventura amorosa como disse Felipe Aquino (2010). Mas pode ser sinal de rever como anda o relacionamento e dependendo do casal a traição pode ser o avesso das regras ditadas pela sociedade, onde a mesma pode até ter espaço na relação, o que contraria o discurso moralmente aceito. Portanto, quando falamos de relacionamentos e vivenciamos na prática o atendimento terapêutico de casais, não podemos ter um pensamento simplista e linear da situação, pois se para uns a traição é o fim de um relacionamento para outros é o começo de uma relação mais madura!!!
*Psicóloga Social e Clínica (Psicoterapeuta Sistêmica)

Bibliografias:
AQUINO, Felipe. A gravidade da traição no namoro. Disponível:  http://cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?e=11931. Acesso 21/08/11.
MARTINS, Ivan. Quando o amor é distração. Disponível: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI252338-15230,00-QUANDO+O+AMOR+E+DISTRACAO.html. Acesso 21/08/11.

A relação conjugal a partir do olhar sistêmico psicodinâmico *Cibele Simões

      Pensar no modo de como engajar terapeuticamente com os clientes que procuram ajuda implica rever o que significa ser um casal e a recontextualização das possibilidades de relação a fim de proporcionar um atendimento mais coerente diante da necessidade vivida pelo sistema e se for o caso redefinir o pedido de ajuda terapêutica em atendimento familiar, de casal ou mesmo individual.
      A investigação de como se estabelece a relação entre individualidade e conjugalidade quando existe a presença de filhos leva os casais a aprenderem novos papéis (funções) relativos à maternidade e à paternidade. Pode-se perceber que a tentativa de conciliação das individualidades e conjugalidades, torna-se um grande desafio e uma possível fonte de conflitos evidenciando problemas de comunicação na dinâmica de alguns casais.
      Sabemos que a comunicação disfuncional afeta as relações e que os desentendimentos entre casais estão no nível do conteúdo e na ordem da mensagem que se quer passar, sendo relevante abrir-se a novos significados do comportamento do casal que são expressos via comunicação verbal e/ou não verbal.
      Diante disso, é necessário permitir que os clientes descubram formas de pensar, sentir e comportar-se mais pessoalmente de maneira satisfatória e mais coerente com as novas necessidades da vida em família visualizando as inter-relações, ou seja, o que se passa “entre” as pessoas significativamente vinculadas, levando-as assumirem papéis e funções que as influenciam decisivamente nas suas escolhas e no desenrolar de suas histórias em comum.
      Nesse sentido, toda família é um sistema independente da abordagem que direciona o fazer terapêutico na prática seja em âmbito público ou privado, bem como na clínica particular ou nas instituições sociais.
      Desta forma, é importante redimensionar o discurso do sujeito para que este construa outros significados diante da sua história de vida criando outras possibilidades de narrativas e agir de maneira diferente do que está acostumado, isto é, criar o repertório e a oportunidade para que se questione e busque caminhos desejáveis para fazer suas próprias mudanças.
      Ao redimensionar este discurso diante das perspectivas abertas pela modernização muitas vezes é constatado de maneira implícita que a dinâmica de alguns casais é manter a relação para justificarem para si mesmos e para a sociedade que, mesmo em um mundo de incertezas, eles estão mantendo um relacionamento duradouro.
      Apesar de perceberem a fragilidade do casamento gerado pelos conflitos da liberdade individual, em que a possibilidade de viver sem depender do outro cria desencontros na relação conjugal leva o casal a duvidar que a própria vivência desta liberdade possa ajudar na busca das suas individualidades associada à conjugalidade.
      Isto pode revelar que a formação da identidade pessoal em parte tem a ver com as afinidades e semelhanças, porém são as diferenças e oposições que permitem formar, testar e consolidar o “eu diferenciado”.
      Outro ponto considerado seria a questão do casal igualitário como um modelo ideal na construção dos relacionamentos conjugais na Pós-Modernidade, ou seja, uma forma de relação que tenta aniquilar as diferenças dos papéis de gênero, estimulando um ideal de liberdade e não coerção às regras sociais. Apesar de alguns casais apresentarem algumas tendências do discurso pós-moderno ainda traz elementos do exercício dos papéis rígidos de gênero exigidos pela sociedade para homens e mulheres.
      Desta maneira, a Pós-Modernidade é marcada por inúmeras tensões, em que os indivíduos se orientam de forma ambígua ou ambivalente, ora pelos antigos padrões de comportamento, ora pelos ideais de mudanças trazidos no discurso pela sociedade. O que gera necessidade de se buscar na relação conjugal segurança e que, ao mesmo tempo, esta tal segurança pode ser sentida como um obstáculo no desenvolvimento da autonomia da individualidade em relação com a prática da conjugalidade. Contudo, os indivíduos não perderam suas capacidades de sentir, criar e produzir mudanças mesmo desejando algum tipo de segurança e estabilidade.
     Não se propõem transformar duas individualidades em uma singularidade, através da complementaridade absoluta na relação, mas considerar que a fragmentação e os limites estabelecidos pela individualidade incorporaram a visão de mundo e, conseqüentemente reflete nos relacionamentos amorosos. Assim como no casamento, a família assumiu novas formas, tornou-se plástica, flexível, fazendo e refazendo seus limites.
      A hierarquia entre os homens e as mulheres deixou de ser pensada como pertencente à ordem natural, passando a ser vista como decorrente do mundo social. Acredito que este foi o fundamento da concepção de igualdade conquistada no mundo público do mercado da cidadania, sobre o qual a desigualdade sexual moderna estruturou-se apesar de alguns casais vivenciarem no cotidiano da relação elementos dos papeis rígidos de gênero.  
      A tentativa de ruptura da dicotomia entre público e privado segundo o gênero não resolveu os dilemas das desigualdades e diferenças entre homens e mulheres, mas mudou seus fundamentos de legitimação.
      Este estado de coisas pode causar sensações de insegurança e desconforto, o que gera ansiedade e angústia aos indivíduos, e nem todos se percebem emocionalmente preparados para lidar com estas contradições.
      Portanto, os casais contemporâneos criam novas formas de convivência e organização na vida cotidiana, mesmo pautados pelos antigos padrões de comportamento mantendo o diálogo entre as formas tradicionais modernas e as práticas pós-moderna na permanente construção dos relacionamentos, em que as relações tornaram-se mais flexíveis e plurais.
      Espero, que este texto possa incitar à reflexão, através do qual transmite-se os movimentos de encontro e desencontro na vida a dois.  
     Movimentos estes nos limites do real e do imaginário, do absoluto e do relativo, onde repousam as vicissitudes de um relacionamento conjugal.

* Psicóloga Social e Clínica (Psicoterapeuta Sistêmica)