terça-feira, 27 de setembro de 2011

A relação conjugal a partir do olhar sistêmico psicodinâmico *Cibele Simões

      Pensar no modo de como engajar terapeuticamente com os clientes que procuram ajuda implica rever o que significa ser um casal e a recontextualização das possibilidades de relação a fim de proporcionar um atendimento mais coerente diante da necessidade vivida pelo sistema e se for o caso redefinir o pedido de ajuda terapêutica em atendimento familiar, de casal ou mesmo individual.
      A investigação de como se estabelece a relação entre individualidade e conjugalidade quando existe a presença de filhos leva os casais a aprenderem novos papéis (funções) relativos à maternidade e à paternidade. Pode-se perceber que a tentativa de conciliação das individualidades e conjugalidades, torna-se um grande desafio e uma possível fonte de conflitos evidenciando problemas de comunicação na dinâmica de alguns casais.
      Sabemos que a comunicação disfuncional afeta as relações e que os desentendimentos entre casais estão no nível do conteúdo e na ordem da mensagem que se quer passar, sendo relevante abrir-se a novos significados do comportamento do casal que são expressos via comunicação verbal e/ou não verbal.
      Diante disso, é necessário permitir que os clientes descubram formas de pensar, sentir e comportar-se mais pessoalmente de maneira satisfatória e mais coerente com as novas necessidades da vida em família visualizando as inter-relações, ou seja, o que se passa “entre” as pessoas significativamente vinculadas, levando-as assumirem papéis e funções que as influenciam decisivamente nas suas escolhas e no desenrolar de suas histórias em comum.
      Nesse sentido, toda família é um sistema independente da abordagem que direciona o fazer terapêutico na prática seja em âmbito público ou privado, bem como na clínica particular ou nas instituições sociais.
      Desta forma, é importante redimensionar o discurso do sujeito para que este construa outros significados diante da sua história de vida criando outras possibilidades de narrativas e agir de maneira diferente do que está acostumado, isto é, criar o repertório e a oportunidade para que se questione e busque caminhos desejáveis para fazer suas próprias mudanças.
      Ao redimensionar este discurso diante das perspectivas abertas pela modernização muitas vezes é constatado de maneira implícita que a dinâmica de alguns casais é manter a relação para justificarem para si mesmos e para a sociedade que, mesmo em um mundo de incertezas, eles estão mantendo um relacionamento duradouro.
      Apesar de perceberem a fragilidade do casamento gerado pelos conflitos da liberdade individual, em que a possibilidade de viver sem depender do outro cria desencontros na relação conjugal leva o casal a duvidar que a própria vivência desta liberdade possa ajudar na busca das suas individualidades associada à conjugalidade.
      Isto pode revelar que a formação da identidade pessoal em parte tem a ver com as afinidades e semelhanças, porém são as diferenças e oposições que permitem formar, testar e consolidar o “eu diferenciado”.
      Outro ponto considerado seria a questão do casal igualitário como um modelo ideal na construção dos relacionamentos conjugais na Pós-Modernidade, ou seja, uma forma de relação que tenta aniquilar as diferenças dos papéis de gênero, estimulando um ideal de liberdade e não coerção às regras sociais. Apesar de alguns casais apresentarem algumas tendências do discurso pós-moderno ainda traz elementos do exercício dos papéis rígidos de gênero exigidos pela sociedade para homens e mulheres.
      Desta maneira, a Pós-Modernidade é marcada por inúmeras tensões, em que os indivíduos se orientam de forma ambígua ou ambivalente, ora pelos antigos padrões de comportamento, ora pelos ideais de mudanças trazidos no discurso pela sociedade. O que gera necessidade de se buscar na relação conjugal segurança e que, ao mesmo tempo, esta tal segurança pode ser sentida como um obstáculo no desenvolvimento da autonomia da individualidade em relação com a prática da conjugalidade. Contudo, os indivíduos não perderam suas capacidades de sentir, criar e produzir mudanças mesmo desejando algum tipo de segurança e estabilidade.
     Não se propõem transformar duas individualidades em uma singularidade, através da complementaridade absoluta na relação, mas considerar que a fragmentação e os limites estabelecidos pela individualidade incorporaram a visão de mundo e, conseqüentemente reflete nos relacionamentos amorosos. Assim como no casamento, a família assumiu novas formas, tornou-se plástica, flexível, fazendo e refazendo seus limites.
      A hierarquia entre os homens e as mulheres deixou de ser pensada como pertencente à ordem natural, passando a ser vista como decorrente do mundo social. Acredito que este foi o fundamento da concepção de igualdade conquistada no mundo público do mercado da cidadania, sobre o qual a desigualdade sexual moderna estruturou-se apesar de alguns casais vivenciarem no cotidiano da relação elementos dos papeis rígidos de gênero.  
      A tentativa de ruptura da dicotomia entre público e privado segundo o gênero não resolveu os dilemas das desigualdades e diferenças entre homens e mulheres, mas mudou seus fundamentos de legitimação.
      Este estado de coisas pode causar sensações de insegurança e desconforto, o que gera ansiedade e angústia aos indivíduos, e nem todos se percebem emocionalmente preparados para lidar com estas contradições.
      Portanto, os casais contemporâneos criam novas formas de convivência e organização na vida cotidiana, mesmo pautados pelos antigos padrões de comportamento mantendo o diálogo entre as formas tradicionais modernas e as práticas pós-moderna na permanente construção dos relacionamentos, em que as relações tornaram-se mais flexíveis e plurais.
      Espero, que este texto possa incitar à reflexão, através do qual transmite-se os movimentos de encontro e desencontro na vida a dois.  
     Movimentos estes nos limites do real e do imaginário, do absoluto e do relativo, onde repousam as vicissitudes de um relacionamento conjugal.

* Psicóloga Social e Clínica (Psicoterapeuta Sistêmica)